Clarinha, filha de
minha amiga Alessandra, no auge dos seus quatro anos, já sabe, como os demais
de sua geração, o significado de “deletar”, a função do “backspace”, e, se
duvidar, já se arrisca a usar o ctrl+z. Mas o que tem encantado Clarinha nesses
últimos tempos é mesmo a borracha: a descoberta desse avanço tecnológico
que permite apagar o que suas mãozinhas produzem com o grafite do seu lápis.
Claro que ela não classifica os efeitos da borracha como “avanço tecnológico”.
Para ela é mágica. Ou “apenas” mágica, como diriam os menos
esclarecidos. Clarinha encontrou na borracha as delícias do fazer e desfazer.
Ou melhor: fazer, desfazer e refazer. Então, não foi de assustar quando,
ouvindo com a mãe os últimos acontecimentos do Brasil, seus olhinhos brilhassem
ao perguntar: “Mas mamãe!!! Existe uma bala toda feita de borracha???
Difícil é tentar refazer a imagem que se formou naquela cabecinha cheia de
cachinhos castanhos, mas uma coisa é certa: para ela, alguém havia conseguido
unir em um único elemento seus dois maiores objetos de desejo! Que gênio teria
feito isso? Certamente na condição de inferioridade que o mundo adulto nos
impõe, melhor nem tentar descobrir a gama de possibilidades que Clarinha
atribuiu àquele objeto tão especial, tão perfeito ao ponto de saciar o paladar
e a criatividade ao mesmo tempo! Podemos apenas concluir que no mundo de
Clarinha não existem conflitos armados ou manifestações populares. Gasolina é
apenas algo com cheiro ruim que faz o carro da mamãe andar. E bola de futebol é
aquilo que se compra na lojinha da esquina com um dinheirinho azul que tem o
desenho de uma tartaruga. É, Clarinha, quem dera todos nós fizéssemos a oração
de Adélia Prado: “Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser
grande.” Então, minha querida, teríamos hoje um lindo objeto que, além de apagar
o que está errado, ainda permitiria fazer tudo novamente. E mais:
esse processo viria acompanhado de um doce gostinho de morango... ou outra
fruta qualquer...
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