terça-feira, 2 de julho de 2013

Texto sobre a borracha de Marina Fernandes





Clarinha, filha de minha amiga Alessandra, no auge dos seus quatro anos, já sabe, como os demais de sua geração, o significado de “deletar”, a função do “backspace”, e, se duvidar, já se arrisca a usar o ctrl+z. Mas o que tem encantado Clarinha nesses últimos tempos é mesmo a borracha: a descoberta desse avanço tecnológico que permite apagar o que suas mãozinhas produzem com o grafite do seu lápis. Claro que ela não classifica os efeitos da borracha como “avanço tecnológico”. Para ela é mágica. Ou “apenas” mágica, como diriam os menos esclarecidos. Clarinha encontrou na borracha as delícias do fazer e desfazer. Ou melhor: fazer, desfazer e refazer. Então, não foi de assustar quando, ouvindo com a mãe os últimos acontecimentos do Brasil, seus olhinhos brilhassem ao perguntar: “Mas mamãe!!! Existe uma bala toda feita de borracha??? Difícil é tentar refazer a imagem que se formou naquela cabecinha cheia de cachinhos castanhos, mas uma coisa é certa: para ela, alguém havia conseguido unir em um único elemento seus dois maiores objetos de desejo! Que gênio teria feito isso? Certamente na condição de inferioridade que o mundo adulto nos impõe, melhor nem tentar descobrir a gama de possibilidades que Clarinha atribuiu àquele objeto tão especial, tão perfeito ao ponto de saciar o paladar e a criatividade ao mesmo tempo! Podemos apenas concluir que no mundo de Clarinha não existem conflitos armados ou manifestações populares. Gasolina é apenas algo com cheiro ruim que faz o carro da mamãe andar. E bola de futebol é aquilo que se compra na lojinha da esquina com um dinheirinho azul que tem o desenho de uma tartaruga. É, Clarinha, quem dera todos nós fizéssemos a oração de Adélia Prado: “Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande.” Então, minha querida, teríamos hoje um lindo objeto que, além de apagar o que está errado, ainda permitiria fazer tudo novamente. E mais: esse processo viria acompanhado de um doce gostinho de morango... ou outra fruta qualquer...

Nenhum comentário:

Postar um comentário